30 de dezembro de 2022

49 Maria e os irmãos de Jesus achavam que ele estava louco? (Resposta a Dave Armstrong)

 

Nota introdutória
 
Dave Armstrong é um famoso apologista tridentino norte-americano conhecido por passar o dia inteiro atacando os protestantes na internet em vez de arrumar um trabalho, aproveitando o seu imenso tempo livre para escrever infindáveis artigos que seus oponentes não terão tempo de responder até ganhá-los pelo cansaço e cantar vitória (não à toa, sempre fugiu de debates ao vivo, onde o oponente teria o mesmo tempo que ele e ele não teria como correr para o Google). Desde o início do ano criou uma verdadeira obsessão pela minha pessoa e escreveu mais de 50 artigos “against Lucas Banzoli” antes que eu respondesse qualquer coisa. Sempre com uma linguagem hostil e provocadora, apela ainda a calúnias e difamações típicas da apologética católica (tais como que eu sou “não-teísta” e que “nego a divindade de Cristo”).
 
Depois de passar meses quase implorando pela minha atenção decidi respondê-lo com artigos que refutam linha por linha os seus impropérios, e descobri que, quando refutado, ele responde a um texto de 30 páginas com artigos de 5 páginas onde repete tudo o que já foi refutado e ignora todos os argumentos mais fortes. É superficial, fraco e desqualificado que só continua sendo respondido porque fiz das respostas ao Dave o meu novo esporte favorito (e porque estes artigos serão compilados para um novo livro de respostas às acusações papistas mais comuns, e nada melhor do que demonstrá-las na prática com alguém que se gaba por ter mais de 4 mil artigos “refutando” o protestantismo).
 
(Você pode ver minhas outras refutações ao Dave neste índice)
 
***

No dia 8 de setembro, Dave escreveu este artigo em que tenta refutar um pequeno trecho do meu artigo de 2015 sobre “Maria pecou?”, onde mostro uma série de razões bíblicas para responder esta questão afirmativamente e rebato os argumentos romanistas mais típicos. Em sua resposta, Dave se concentrou na parte em que eu argumento que Maria era um dos familiares de Jesus que julgava que ele havia enlouquecido em certa ocasião, registrada em Marcos 3:21:
 
“Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: ‘Ele está fora de si’” (Marcos 3:21)
 
Embora o verso 21 não mencione explicitamente quais familiares eram esses, o verso 31 deixa claro que se tratava de Maria e dos irmãos de Jesus:
 
“Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo” (Marcos 3:31)
 
Portanto, a mãe de Jesus também fazia parte dos familiares de Jesus que estavam do lado de fora da casa, mandando chamá-lo por crerem que ele estava “fora de si”, ou seja, louco. E, até onde eu sei, considerar Jesus um louco é pecado, sim senhor. Como Dave responde ao argumento? Da forma mais inacreditável possível (embora nem tanto se considerarmos o nível das outras “refutações”), que eu confesso que nunca tinha visto ninguém argumentar antes, e tenho certeza que você também não. Eu até demorei para entender o que ele queria dizer, tamanho o malabarismo envolvido. Acompanhe comigo:
 
Há controvérsia até mesmo sobre quem estava fazendo essa alegação da suposta loucura ou instabilidade mental de Jesus: eram seus parentes ou os escribas, cuja opinião sobre Jesus foi relatada no versículo seguinte (Mc 3:22)? O contexto sugere fortemente para mim que “povo” (ou “eles”) em Marcos 3:21 está de fato se referindo especificamente aos escribas, pois sabemos que eles pensavam que Ele estava endemoninhado.
 
Ou seja, para ele, a parte que diz «ele está fora de si» não se refere aos seus familiares, que acabaram de ser citados no mesmo verso, mas aos escribas, citados no verso seguinte! Vejamos o texto em seu contexto maior:
 
Marcos 3
20 Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão, de modo que ele e os seus discípulos não conseguiam nem comer.
21 Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: "Ele está fora de si".
22 E os mestres da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: "Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios".
 
Este é mais um belo exemplo da incrível habilidade de Dave em manipular versículos e distorcer textos criminosamente. Após usar um texto em que Hegésipo chama Judas de irmão de Jesus e dizer que ele chamou de primo, e de usar uma sessão de necromancia como respaldo à oração aos mortos, agora ele literalmente desvincula a declaração do verso 21 do seu próprio verso e a liga ao verso seguinte, que começa um outro período. É surreal, simplesmente surreal...
 
Em apoio à sua interpretação, ele cita dois autores (isso mesmo, dois autores) que concordam com a interpretação dele – sendo que um deles sequer defende o mesmo que ele –, mas como são autores protestantes, ele usa isso como um argumento de autoridade. Em seguida, cita sete traduções bíblicas que ele encontrou adulterando descaradamente o versículo por meio do acréscimo de uma palavra necessária para passar o sentido que ele pretende (e ignorando completamente o grego e as milhares de traduções que traduzem o texto direito), e termina com uma conjectura ainda mais estúpida, que contradiz os autores que ele mesmo havia citado.
 
Para destruir essa interpretação cômica e desastrada, mostrarei aqui: (1) o contexto que Dave ignora, (2) o grego que Dave atropela, (3) as traduções bíblicas que Dave omite, (4) o que dizem virtualmente todos os estudiosos, e (5) o que dizem os próprios católicos que, diferente de Dave, conservam algo de bom senso. Apenas um dado curioso: este foi o artigo que de longe me demandou mais tempo de pesquisa, não porque fosse difícil refutá-lo, mas justamente pelo contrário. A quantidade de evidências que pesam contra a estabanada interpretação que ele faz do texto são tão esmagadoras e em uma quantidade tão abundante que eu literalmente tive que parar de continuar depois de um certo ponto, senão ficaria a eternidade aqui só para mostrar o quão absurdo e delirante é o que ele defende.
 
Sem mais delongas, iniciemos a refutação pelo mais importante: o contexto, que foi para a lata do lixo no artigo que Dave escreveu.
 
 
Parte 1: O Contexto
 
Que o contexto distingue claramente os que disseram que Jesus estava “fora de si” no verso 21 dos escribas, que dizem outra coisa no verso 22, é algo tão notório que é surpreendente que alguém – mesmo alguém do nível de intelecto do Dave – não consiga perceber assim que bate o olho no texto. Vejamos novamente o texto em seu contexto maior:
 
Marcos 3
20 Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão, de modo que ele e os seus discípulos não conseguiam nem comer.
21 Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: "Ele está fora de si".
22 E os mestres da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: "Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios".
 
O verso 21 não pode ser uma referência ao que os mestres da lei disseram, porque o verso seguinte inicia uma nova sentença, com a conjunção kai, aqui traduzida como “e”. A conjunção tem claramente por objetivo separar o que disseram os familiares no verso 21, do que disseram os mestres da lei no verso seguinte. Em outras palavras, seus familiares disseram uma coisa (que Jesus estava “fora de si”), E os mestres da lei disseram outra (que Jesus tinha demônio). Eu poderia facilmente terminar o artigo aqui, que já seria o suficiente para demonstrar o analfabetismo funcional de Dave e mais nada precisaria ser dito.
 
Mas continuemos por pura diversão: se o verso 21 estivesse falando da opinião dos próprios mestres da lei, o verso seguinte teria iniciado com uma conjunção usada para expressar causa ou inferência, como a que consta no próprio verso 21, onde a conjunção gar (traduzida aqui como “pois”) aparece no grego, já que a ideia era justamente apontar a razão por que aquelas pessoas pensavam aquilo de Jesus. O fato de Marcos ter usado kai para separar um período do outro mostra que uma coisa era dita pelos familiares, e outra coisa era dita pelos mestres da lei (o que é também destacado por muitos estudiosos que eu mostrarei em um instante).  
 
Note que as acusações não eram nem mesmo as mesmas. Enquanto os familiares de Jesus pensavam que ele estava louco (“fora de si”), os escribas (ou mestres da lei) não diziam que ele estava louco, mas possesso, que é algo bem diferente e mais grave. Os parentes de Jesus não tinham razão para pensar que ele era um endemoniado, apenas pensavam que ele não estava batendo bem da cabeça ao ouvir os boatos a seu respeito e a multidão que o seguia. Mas os mestres da lei, que acompanhavam Jesus de perto e presenciavam os seus milagres, precisavam de uma explicação mais forte, por isso apelaram para a tese da possessão.
 
Dave não consegue perceber a diferença entre uma coisa e outra (talvez porque ele seja tanto louco quanto possesso), então pensa que o verso 22 é uma “prova” de que o verso 21 falava dos escribas, porque supostamente a acusação seria a mesma (quando não é). Como se não bastasse, ele dá um argumento ainda mais burro, quando diz que aquilo só podia ter sido dito pelos escribas porque “somente eles” tinham uma opinião negativa a respeito de Jesus:
 
Somente eles são descritos como tendo essa visão totalmente hostil, não as massas, que, exceto em Nazaré, geralmente eram a favor de Jesus.
 
E de onde vinha a família de Jesus? Exato: de Nazaré! Dave deve pensar que a família de Jesus morava no Arizona pra não ser parte da exceção que ele mesmo cita, ou talvez nem saiba que eles eram de Nazaré. Na verdade, bastaria Dave ter um pouco de familiaridade com a Bíblia para saber que os seus familiares eram realmente descrentes (ou seja, tinham uma visão “hostil” a ele):
 
“Mas Jesus disse-lhes: Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa(Marcos 6:4)
 
“Mas, ao se aproximar a festa judaica dos tabernáculos, os irmãos de Jesus lhe disseram: ‘Você deve sair daqui e ir para a Judéia, para que os seus discípulos possam ver as obras que você faz. Ninguém que deseja ser reconhecido publicamente age em segredo. Visto que você está fazendo estas coisas, mostre-se ao mundo’. Pois nem os seus irmãos criam nele(João 7:2-5)
 
Note que o primeiro texto se insere em um contexto em que o próprio Jesus estava sendo desprezado em sua terra (vs. 1-3), ou seja, aquelas palavras se referem primariamente a ele mesmo, não somente a outros profetas. E ele expressamente menciona os parentes entre aqueles que o «desprezavam». Mais do que isso, ele inclui sua própria casa. Se esses parentes de Jesus eram apenas primos, José já havia morrido e Maria era totalmente crente, quem são esses que desprezavam Jesus em sua própria casa? Note que o texto vai do maior ao menor: na sua pátria (i.e, Nazaré), entre os seus parentes (i.e, primos, tios, etc) e na sua própria casa, que só pode ser uma referência ao círculo mais íntimo, ou seja, irmãos e pais.
 
O segundo texto é ainda mais explícito, quando mostra os irmãos de Jesus mandando-o para longe e o próprio evangelista dizendo que eles não criam nele. Então, sim: Jesus sofria hostilidade dos seus próprios familiares, e a Bíblia em nenhum momento tenta esconder isso. Dave acerta quando diz que a acusação de estar “fora de si” não poderia vir da multidão, já que a multidão ali estava apoiando Jesus (ele mesmo a chama de sua verdadeira família nos versos finais do capítulo), mas erra miseravelmente quando pensa que só sobraram os escribas, tirando os familiares de Jesus da equação (quando são justamente os familiares que são mencionados no verso 21!).
 
Embora alguns discutam se o verso 21 realmente fala dos familiares de Jesus ou não, o próprio Dave não endossa essa tese em princípio (rechaçada por virtualmente todos os estudiosos), embora, por pura conveniência ou mau-caratismo, abra espaço para essa hipótese no final do artigo (que eu comento em um tópico à parte).
 
 
Parte 2: O Grego
 

Se em alguma coisa eu me igualo ao Dave, é no desconhecimento de grego. Mas diferente dele, que escreve as bobagens que escreve sem sequer consultar alguém que sabe para evitar passar vergonha, antes de escrever este artigo eu mandei uma mensagem ao meu amigo Mateus Rangel, professor de grego e de hebraico e diretor do Instituto Teológico Koinonia, perguntando se havia alguma coisa no grego que indicasse se o “disseram” foi proferido pelos familiares citados no início do verso, pelos escribas do verso seguinte ou por um sujeito indeterminado. E a resposta dele foi a seguinte: 

*** 

Marcos 3:21: “κα (e) κοσαντες (ao ouvir) ο παρ ατο (os do seu lado ou os seus) ξλθον (eles saíram) κρατσαι (para segurar) ατν· (ele:) λεγον (disseram) γρ (porque) τι (porque) [aqui é redundante mesmo, é um estilo comum no grego] ξστη (está maravilhado ou insano)”. 

Aqui temos vários elementos indicando que a expressão "disseram" (λεγον) é uma referência "aos seus". Vejamos: 

A expressão "ο παρ ατο" (os do seu lado ou os seus) remete ao sujeito da frase, porque o artigo "ο" (os) está no nominativo. E esse sujeito é retomado no texto pelas conjunções "γρ" (porque) "τι" (porque) que geram um período por subordinação, por serem conjunções subordinadas explicativas. 

O sujeito no texto tem 3 verbos de ação ligados a ele: 

1) κοσαντες (ao ouvir);

2) ξλθον (eles saíram);

3) λεγον (disseram). 

A sequência é bem clara: ouviram – saíram (porque) – disseram “ele está insano”. A parte que diz “disseram” é um argumento para justificar o “saíram para o pegar”, porque “ouviram” algo que os desagradou e o fizeram chegar à conclusão que “ele estava insano”. 

Conclusão: se mudarmos a ordem da frase para atender a objetivos didáticos, escreveremos “eles saíram para prender Jesus, isso porque estavam dizendo que que ele estava ‘fora de si’, e concluíram isso a partir do seu discurso que ouviram”. 

O seu amigo pode ter entendido que “disseram” é uma referência a um sujeito indeterminado porque é assim que geralmente funciona no português. Quando temos um verbo na 3° pessoa do plural, o sujeito é, na maioria das vezes, indeterminado, mas aqui no texto, quando perguntamos: Quem disse que ele estava fora de si ou insano? Chegamos à conclusão que foram “os seus”, os mesmos que ouviram seu discurso e saíram para o prender. 

***

Ainda de acordo com a interpretação de Dave, os seus familiares – aqueles mesmos que já vimos que lhe eram hostis – estavam ali apenas para ajudá-lo a se livrar de “inimigos hostis”, como se eles tivessem saído lá de Nazaré até Cafarnaum só porque ouviram falar que alguns escribas estavam contra ele. Dê só uma olhada no que ele alega:
 
Nesse entendimento, o texto é simplesmente interpretado como Sua família saindo para removê-Lo de inimigos hostis, que O estavam interpretando mal, acusando e talvez se tornando violentos (como em Nazaré, quando Seus críticos tentaram jogá-Lo de um penhasco). Portanto, não haveria nenhuma implicação necessária (nesta passagem e incidente em particular) da descrença de Sua família (e muito menos de Maria) nEle. Eles estavam preocupados com Sua segurança.
 
Para Dave, os familiares de Jesus estavam simplesmente “preocupados com a sua segurança”, como se tivessem vindo até lá para convidá-lo gentilmente a voltar para casa e tomar uma xícara de café. Mas quando vamos ao texto grego, vemos uma realidade totalmente oposta. A NVI traduz que os seus familiares «saíram para apoderar-se dele», mas a ACF é mais precisa quando traduz por «saíram para o prender». Isso porque o vocábulo grego aqui usado é κρατέω (krateó), que já tem uma conotação forte por si só, e ganha uma conotação ainda mais forte quando usado no evangelho de Marcos.
 
Ele é quase sempre usado para designar a prisão literal de alguém, como quando prenderam João Batista e como mais tarde aconteceu com o próprio Jesus:
 
“Pois o próprio Herodes tinha dado ordens para que prendessem (krateó) João, o amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão, com a qual se casara” (Marcos 6:17)
 
“Então começaram a procurar um meio de prendê-lo (krateó), pois perceberam que era contra eles que ele havia contado aquela parábola. Mas tinham medo da multidão; por isso o deixaram e foram embora” (Marcos 12:12)
 
“Faltavam dois dias para a Páscoa e para a Festa dos Pães sem Fermento. Os principais sacerdotes e mestres da lei ainda procuravam uma oportunidade de prender (krateó) Jesus em segredo e matá-lo” (Marcos 14:1)
 
“O traidor havia combinado um sinal com eles: ‘Aquele a quem eu saudar com um beijo, é ele: prendam-no (krateó) e levem-no em segurança’” (Marcos 14:44)
 
“Os homens agarraram Jesus e o prenderam (krateó)” (Marcos 14:46)
 
“Todos os dias eu estava com vocês, ensinando no templo, e vocês não me prenderam (krateó). Mas as Escrituras precisam ser cumpridas’” (Marcos 14:49)
 
“Um jovem, vestindo apenas um lençol de linho, estava seguindo a Jesus. Quando tentaram prendê-lo (krateó), ele fugiu nu, deixando o lençol para trás” (Marcos 14:51-52)
 
As únicas exceções são os textos que falam de tomar alguém pela mão (Mc 31, 5:41, 9:27), onde “tomar pela mão” (krateó tēs cheiros) é literalmente a expressão usada, o que não é o caso de Marcos 3:21. O termo só volta a ser usado no segundo evangelho mais quatro vezes (Mc 7:3, 7:4, 7:8, 9:10), mas todas elas em contextos de linguagem figurada, onde krateó é traduzido como guardar ou observar uma tradição ou costume (o que obviamente também não é o caso aqui). Portanto, Marcos 3:21 só se enquadra no uso mais comum do termo: o de prender alguém, tomando-o à força e violentamente.
 
Isso, por si só, já desmantela toda a interpretação de Dave, pois prova que os familiares de Jesus não estavam ali com as melhores das intenções, mas justamente para prender dentro de casa alguém que eles achavam que tinha literalmente enlouquecido, até que recobrasse a sanidade (como se costumava fazer com os loucos no passado, quando ainda não existiam hospícios). Essa é outra razão por que não faz nenhum sentido desvincular a frase do final do verso dessa informação inicial, já que ela é justamente o motivo por que eles queriam prender Jesus. Vale destacar que esse tipo de prisão só podia ser feita por parte da família, já que não era um crime civil para ser preso numa prisão comum do Estado, daí o fato da sua família estar encarregada.
 
Já na narrativa de Dave, o “prender” é entendido como apenas um convite gentil e amoroso para “removê-lo de inimigos hostis”, tirando toda a força de krateó, como se outras pessoas quisessem prendê-lo por loucura, e não os próprios familiares que vieram ali precisamente com essa intenção. É uma leitura tosca, que quebra toda a sequência lógica do texto e remove dele o seu sentido primordial. Essa leitura também não explica por que Jesus se recusou a ir falar com os seus familiares, se eles estavam ali apenas para “protegê-lo” e não para fazer-lhe mal (mesmo um mal que na cabeça deles fosse um bem):
 
“Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo. Havia muita gente assentada ao seu redor; e lhe disseram: ‘Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram’. ‘Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?’, perguntou ele. Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: ‘Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe’” (Marcos 3:31-35)
 
Por que Jesus trataria os seus familiares desta maneira, recusando-se até mesmo a sair e ir falar com eles, se eles estavam cheios das melhores intenções para com ele? É óbvio que ele havia sido informado que a intenção de seus irmãos e mãe era prendê-lo por insanidade, como informa o verso 21, e ele não teria razão nenhuma para dar esse tipo de satisfação (como certamente você e eu também não faríamos).
 
 
Parte 3: Traduções Bíblicas
 
Chegamos agora em uma das partes mais divertidas do artigo, aquela em que Dave começa desesperadamente a caçar meia dúzia de traduções DESCARADAMENTE ADULTERADAS na maior cara de pau, para usar a seu favor sem informar seus leitores que aquelas traduções vergonhosamente adulteram o grego. Eu fico imaginando quanto tempo ele deve ter gasto procurando essas traduções, já que nenhuma delas é uma tradução conhecida ou respeitável, e todas as versões minimamente sérias (incluindo as católicas) traduzem do jeito certo. A ânsia em se caçar “provas” a seu favor vai tão longe que qualquer porcaria serve, literalmente.
 
Pois bem, aqui estão as sete traduções que Dave encontrou, que, em suas palavras, transmitem o que acredito ser o verdadeiro sentido da passagem”:
 
NRSV: “When his family heard it, they went out to restrain him, for people were saying, ‘He has gone out of his mind’”.
 
Good News / (TEV): “When his family heard about it, they set out to take charge of him, because people were saying, “He’s gone mad!”.
 
Moffatt: “...for men were saying, ‘He is out of his mind’”.
 
Phillips: “...for people were saying, ‘He must be mad!’”.
 
NEB: “...for people were saying that he was out of his mind”.
 
Easy-to-Read Version (ERV): “They went to get him because people said he was crazy”.
 
Mounce Reverse Interlinear: “...for people were saying, ‘He is out of his mind’”.
 
O que todas essas traduções têm em comum, além da total falta de reputação, é o acréscimo da palavra people (“pessoas”) no texto, para mudar o sentido do texto como Dave quer e precisa. É o mesmo tipo de manobra que as seitas fazem para incluir na Bíblia suas falsas doutrinas, sem se preocupar com as ameaças que o próprio Deus dirigiu a quem ousa fazer esse tipo de coisa:
 
“Declaro a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhe acrescentar algo, Deus lhe acrescentará as pragas descritas neste livro. Se alguém tirar alguma palavra deste livro de profecia, Deus tirará dele a sua parte na árvore da vida e na cidade santa, que são descritas neste livro” (Apocalipse 22:18-19)
 
Parece que Dave não entendeu que nem uma só palavra pode ser tirada ou acrescentada por gente desonesta como ele (ou talvez ele esteja ansioso em receber as pragas descritas no texto). E o pior é que eu fui pesquisar a respeito de algumas dessas traduções e elas são realmente esculachadas pelo péssimo nível que têm. Essa tal de “Easy-to-Read Version”, por exemplo (“Versão Fácil de Ler”, em tradução livre) foi até mesmo apelidada de “Fácil de Enganar”, tamanho o baixo nível da mesma. Mas como para Dave tudo o que importa é acumular argumentos ruins que possa usar a seu favor, vira um verdadeiro “vale-tudo”, e até mesmo traduções bíblicas horrorosas que ele jamais leria ou usaria como referência se tornam um “argumento” para usar em seu favor, quando é conveniente.
 
Mas, afinal, o que diz o grego, que nem Dave e nem a “Versão Fácil de Enganar” conhecem? Vejamos:
 
 
Alguém viu o “people” aí? Eu não. Parece que Dave pensa que os seus leitores é que são “fáceis de enganar” (ou que são tão preguiçosos que sequer se dão ao trabalho de abrir um site com a Bíblia em grego e checar por si mesmos). Se formos traduzir literalmente o que o grego do site citado diz (veja aqui), o que temos é isso: “Quando sua família ouviu isso, eles saíram para tomar custódia dele, dizendo: Ele está fora de si”. Na verdade, o grego reforça ainda mais o fato de que quem disse «ele está fora de si» foi mesmo a sua família, e não os escribas do verso seguinte (separados por um kai). É uma pena que a “Versão Fácil de Enganar” e o “Enganador Fácil de se Refutar” não saibam disso.
 
Mas muitas outras versões (na verdade, virtualmente todas) sabem. Apenas para citar algumas em inglês (novamente, tente encontrar o people ali):
 
NET: “When his family heard this they went out to restrain him, for they said, ‘He is out of his mind’”.
 
NLT: “When his family heard what was happening, they tried to take him away. ‘He's out of his mind’, they said”.
 
KJV: “And when his friends heard of it, they went out to lay hold on him: for they said, He is beside himself”.
 
ESV: “And when his family heard it, they went out to seize him, for they were saying, ‘He is out of his mind’”.
 
NIV: “When his family heard about this, they went to take charge of him, for they said, ‘He is out of his mind’”.
 
ASV: “And when his friends heard it, they went out to lay hold on him: for they said, He is beside himself”.
 
CSB: “When His family heard this, they set out to restrain Him, because they said, ‘He's out of His mind’”.
 
NKJ: “But when His own people heard about this, they went out to lay hold of Him, for they said, ‘He is out of His mind’”.
 
YLT: “And his friends having heard, went forth to lay hold on him, for they said that he was beside himself”.
 
NAB: “When his relatives heard of this they set out to seize him, for they said, ‘He is out of his mind’”.
 
NJB: “When his relations heard of this, they set out to take charge of him; they said, 'He is out of his mind’”.
 
GWN: “When his family heard about it, they went to get him. They said, ‘He's out of his mind!’”.
 
BBE: “And when his friends had news of it, they went out to get him, saying, He is off his head”.
 
Eu poderia passar aqui outras cinquenta traduções católicas sem a adulteração vergonhosa das traduções “fáceis de enganar” que Dave citou, mas como não sou um desocupado que tem o dia todo livre pra escrever artigos, me limito a desafiá-lo a encontrar na Bíblia Católica Online qualquer tradução que favoreça a posição de Dave. Se você encontrar alguma, em qualquer idioma, terá encontrado uma agulha num palheiro, mas não conte em voz alta, senão Dave passará a usá-la também (sem se importar com o fato de ser uma adulteração grosseira dos originais).
 
O que eu achei mais interessante em minha pesquisa é que até mesmo a Knox Bible, uma famosa versão católica em inglês produzida a pedido das próprias autoridades católicas, que foi muito usada nos lecionários das missas na Inglaterra e uma das poucas a possuir o Nihil Obstat da Igreja, traduziu o texto assim: “When word came to those who were nearest him, they went out to restrain him; they said, He must be mad”. Em tradução literal: “Quando a notícia chegou aos que estavam mais próximos dele, eles saíram para contê-lo; eles disseram, ele deve estar louco”. “Eles disseram”, e não “as pessoas disseram”. O “eles”, obviamente, só pode se referir «aos que estavam mais próximos dele», não aos escribas que só seriam mencionados no verso seguinte.
 
O mesmo faz a New Jerusalem Bible, outra versão católica famosa e reputada, que traduz por: “When his relations heard of this, they set out to take charge of him; they said, 'He is out of his mind’”. Em tradução literal: “Quando seus parentes souberam disso, eles partiram para cuidar dele; eles disseram: 'Ele está fora de si’”. Até mesmo a Neo Vulgata Latina traduz como: “Et cum audissent sui, exierunt tenere eum; dicebant enim: ‘In furorem versus est’”, onde dicebant enim também é traduzido como “eles disseram”, e não “as pessoas disseram”.
 
Por que Dave não cita essas e muitas outras versões católicas famosas em seu artigo, mas cita um bando de versões obscuras, tiradas sabe-se lá de onde, talvez do quinto dos infernos, versões que ninguém conhece e que são ridicularizadas pelos acadêmicos? A razão é obviamente uma: porque essas versões corroboram sua leitura defeituosa e adulterada do texto, e as versões sérias não. Esse é o modus operandi que Dave tem operado desde que comecei a brincar de refutá-lo, que ultrapassa qualquer senso do ridículo.
 
 
Parte 4: O que dizem os estudiosos?
 
Dave citou dois estudiosos em seu artigo e se orgulhou disso como se tivesse ganhado uma Copa do Mundo. Se Dave cavou tanto para encontrar apenas sete versões bíblicas que traduzem o texto da forma que ele quer, eu imagino o quão pouca coisa ele deve ter encontrado em tanto tempo de pesquisa para que, no fim de tudo, viesse com um argumento de autoridade baseado na palavra de dois estudiosos. Então eu decidi fazer minha pesquisa também, e descobri por que ele só tinha dois para citar do lado dele (poderia até ter mais se fizesse uma pesquisa mais decente, mas nunca teria mais que 5%, quando muito).
 
Segue abaixo um compilado de muito mais estudiosos que comentaram este texto no sentido de seu significado natural e óbvio: que quem disse que Jesus estava “fora de si” foram os seus familiares, citados no início do verso. Eles podem divergir levemente quanto às razões que os levaram a pensar isso ou a agir desse modo, mas todos concordam que foram os parentes de Jesus que disseram aquilo. Vamos a eles:

 
Fleming's Bridgeway Bible Commentary (Donald C. Fleming)
 
“Os filhos de Maria e José nascidos depois de Jesus foram Tiago, José, Simão, Judas e pelo menos duas filhas (cf. Mt 13:55-56; Mc 6:3). A princípio, eles não aceitaram Jesus como o Messias, mas pensaram que ele estava sofrendo de algum tipo de loucura religiosa (Mc 3:20-21; cf. Jo 7:3-5). Jesus deve ter ficado triste ao ver tal atitude em seus irmãos e irmãs, mas ele sabia que mais importante do que os relacionamentos naturais eram os relacionamentos espirituais. Todos os que obedecem a Deus estão relacionados a ele e uns aos outros na vasta família de Deus (Mc 3:31-35)”
 
 
The Adam Clarke Commentary (Adam Clarke)
 
“Foram os inimigos de Cristo que levantaram este relatório; e seus parentes, provavelmente pensando que era verdade, foram confiná-lo
 
 
Barnes' Notes on the Whole Bible (Albert Barnes)
 
Eles saíram para prendê-lo. Para afastá-lo da multidão e removê-lo para sua casa, para que ele pudesse ser tratado como um maníaco, para que, pela ausência das ‘causas’ de agitação, ele pudesse ser restaurado à sua mente sã. Eles disseram. Provavelmente os inimigos de Jesus levantaram o relatório, e seus parentes foram persuadidos a acreditar que era verdade
 
 
Contending for the Faith (Charles Baily)
 
Eles saíram para prendê-lo. Eles pretendem prender Jesus à força e contra a sua vontade, se necessário. As mães sempre sentiram que sabem o que é melhor para seus filhos e se preocupam por não estarem cuidando adequadamente de si mesmas. Pois eles disseram: Ele está fora de si: Esses íntimos sentem que Jesus se envolveu tanto com Sua obra que não está mais pensando com clareza
 
 
Dr. Constable's Expository Notes (Thomas Constable)
 
“Eles se preocuparam com Sua saúde. Talvez eles estivessem preocupados que Ele não estivesse comendo direito. Eles podem até ter concluído que Sua condição de excesso de trabalho afetou Sua estabilidade mental. Eles decidiram vir de Nazaré para Cafarnaum e cuidar dele para o Seu próprio bem. A palavra grega kratesai (‘tomar custódia’ ou ‘assumir o comando’) em outro lugar descreve a prisão de alguém (cf. Mc 6:17, 12:12, 14:1, 14:44, 14:46, 14:49, 14:51). Assim, parece que a melhor das intenções motivou a família de Jesus. No entanto, eles interpretaram mal as evidências. Ele não estava muito ocupado nem fora de si (cf. At 26:24; 2Co 5:13). Ele estava simplesmente cumprindo a vontade de Seu Pai”
 
 
William Barclay's Daily Study Bible (William Barclay)
 
Sua própria família chegou à conclusão de que ele havia perdido o juízo e que era hora de ser levado para casa”
 
 
Gill's Exposition of the Entire Bible (John Gill)
 
Os parentes e amigos de Cristo, tendo ouvido falar da situação em que ele se encontrava, disseram uns aos outros: ele está com a mente transtornada e pesada; seu zelo o leva além dos limites devidos; ele certamente se esqueceu de si mesmo; sua compreensão é perturbada; ele não se preocupa consigo mesmo; não cuida de sua saúde; ele certamente o prejudicará muito, se continuar nesse ritmo, orando a noite toda e pregando o dia todo, sem descansar ou comer: por isso eles saíram, a fim de dissuadi-lo de tais trabalhos excessivos e levá-lo com eles, onde ele poderia descansar e se refrescar”
 
 
Henry's Complete Commentary on the Whole Bible (Matthew Henry)
 
Seus parentes, muitos deles, tinham pensamentos mesquinhos sobre ele (João 7:5), e estavam dispostos a ouvir essa má alegação que alguns colocaram em seu grande zelo, e concluíram enlouquecido em seu intelecto, e sob esse pretexto tentaram tirá-lo de seu trabalho”
 
 
Ellicott's Commentary for English Readers (Charles John Ellicott)
 
“E quando seus amigos. Literalmente, aqueles deleou seja, de sua casa. Como a ‘mãe e os irmãos’ são mencionados mais adiante no capítulo como vindo para verificar seu ensino, devemos ver neles alguns que eles enviaram com o mesmo objetivo. Para eles, o novo curso de ação em que nosso Senhor havia entrado parecia um sinal de superexcitação, correndo de forma imprudente para o perigo. Podemos, talvez, ver na palavra aleatória assim proferida aquela que deu ocasião à provocação mais maligna dos escribas no próximo versículo. Eles estavam dizendo agora, como disseram depois (João 10:20): ‘Ele tem um demônio e está louco’”
 
 
Cambridge Bible for Schools and Colleges (John Perowne)
 
Seus amigos. Não os apóstolos, mas seus parentes, incluindo ‘seus irmãos e sua mãe’, que são notados aqui saindo, e alguns versículos depois como tendo chegado à casa onde nosso Senhor estava (Mc 3:31), ou o lugar onde as multidões o aglomeravam. Ele está fora de si. Eles consideravam o zelo e a devoção diária ao Seu trabalho de amor uma espécie de êxtase ou entusiasmo religioso, que o tornava não mais senhor de Si mesmo

 
Além destes Comentários Bíblicos bem conhecidos, encontrei ainda alguns comentários adicionais nesta página, que é o mais completo compilado que encontrei de autores dissertando sobre Marcos 3:
 
Craig Evans
 
“A característica verdadeiramente estranha é a observação de que sua família, que veio de Nazaré, responde tentando tomar a custódia dele (lit. “agarrá-lo”). O evangelista explica que a família de Jesus estava dizendo que ele estava louco (lit. ‘fora de si’) – e é sua família que diz isso, não a multidão exaltada que Jesus mais tarde identificará como sua verdadeira família, nem os escribas que mantinham uma opinião muito mais sinistra. (...) Infelizmente, sua própria família pensou que Jesus estava sofrendo um colapso mental”
 
 
Ray Stedman
 
“A palavra traduzida como ‘amigos’ realmente significa ‘parentes’ – literalmente, ‘aqueles que estão ao lado dele’. Aprendemos com a última parte do capítulo que na verdade são sua mãe e seus irmãos. Eles estão em Nazaré e chega a notícia de que ele não está cuidando de si mesmo. Ele não está comendo direito. Ele não está dormindo direito. Sua saúde está ameaçada. Então eles saem de Nazaré e vêm tentar prendê-lo. O sentimento deles é que ele enlouqueceu, que está ‘fora de si’, como resultado de sua preocupação com a dor do mundo. Agora, Jesus lidará com esse mal-entendido no final deste relato”
 
 
William Lane Craig
 
“O incidente envolvendo os escribas de Jerusalém entre as fases inicial e posterior da narrativa da família é deliberado. Ele sugere que aqueles da família de Jesus que declararam que ele é louco (Mc 3:21) não são diferentes dos escribas que atribuem seus poderes extraordinários a uma aliança com Belzebu, o príncipe dos demônios (Mc 3:22). O paralelo é acentuadamente enfatizado pela formulação de Marcos das acusações contra Jesus nos versículos 21 e 30. Versículo 21: ‘Porque eles [sua família] diziam: Ele está fora de si’. Versículo 30: ‘Porque eles [os escribas] diziam: Ele tem um espírito imundo’”
 
 
Paul Hiebert
 
“Nos últimos anos, ouvimos histórias de outras famílias que tentaram dissuadir os membros da família (geralmente jovens adultos) de associações religiosas ou políticas fervorosas, às vezes à força no que é popularmente chamado de desprogramação, geralmente na crença de que seus entes queridos sofreram uma 'lavagem cerebral' e não estão no controle de suas mentes. Vista sob esta luz, a passagem diante de nós tem um toque humano familiar
 
 
Parte 5: O que dizem os próprios católicos?
 
Essa é a parte da minha pesquisa que eu mais me diverti, porque a princípio eu realmente pensava que a maioria dos católicos fosse como Dave, e tentassem de alguma forma distorcer o versículo da forma que ele faz (por maior que seja a loucura necessária para tanto). Por isso foi com surpresa que descobri que, de cada 10 católicos comentando o texto, pelo menos uns 9 concordavam com a minha leitura (de que os que achavam que Jesus estava louco eram os seus parentes), e não com a de Dave (de que eram os escribas).
 
Isso mostra que Dave está consideravelmente abaixo até mesmo do padrão dos apologistas católicos, algo que eu já deveria ter suspeitado depois de ver o tanto de aberrações presentes em seus artigos, que não consigo encontrar em nenhum outro lugar (de fato, nunca vi ninguém alegar que Hegésipo chamou Judas de primo de Jesus, ou que a sessão de necromancia em En-Dor é uma prova da oração aos mortos). Ou seja, não se trata de uma discussão de “protestante vs católico”, mas de “saber ler vs não saber ler” um texto.
 
Muitos dos artigos a seguir foram escritos por padres ou bispos católicos que estão muito acima do pobre leigo Dave na hierarquia católica, o que deixa as coisas ainda mais interessantes (apesar dele provavelmente alegar que sabe mais do que eles, porque eles não escreveram 4.000 artigos contra o protestantismo cheio de textos tão ridiculamente manipulados quanto este). Sem mais, vamos a eles:
 
Site da Canção Nova, artigo do padre Bantu Mendonça (Fonte)
 
“No evangelho de hoje, vemos que a multidão não compreende Jesus, porque esta busca resolução nos problemas individuais. E a partir do momento que ele exigia mudança de vida, havia o abandono. Pelo incrível que pareça, também a sua família não O compreende, ‘...os seus parentes foram segurá-lo, porque diziam: Enlouqueceu’ (Mc 3,21). (...) Esta oração retrata a opção de vida de Jesus, o qual nem a sua família deixou de chamá-lo louco. Ela tenta ‘impedir’ que Jesus prossiga com a sua missão, quando julga que Ele está fora de si, devido à multidão que o acompanha”
 
 
United States Conference of Catholic Bishops (Fonte)
 
“Dentro da narrativa da vinda dos parentes de Jesus (Mc 3:20-21) está inserido o relato dos escribas incrédulos de Jerusalém que atribuíram o poder de Jesus sobre os demônios a Belzebu (Mc 3:22-30); veja nota em Marcos 5:21-43. Mesmo entre os parentes de Jesus, havia aqueles que não acreditavam e consideravam Jesus louco (Mc 3:21)
 
 
Site das mulheres monásticas beneditinas “Irmãs de São Bento de Ferdinand” (Fonte)
 
“As pessoas cercaram Jesus tão completamente que era impossível para ele comer. De alguma forma, os parentes de Jesus souberam do que estava acontecendo e partiram para prendê-lo. Eles disseram: “Ele está fora de si”. Eu me pergunto como Jesus respondeu à crença de seus parentes de que ele estava ‘fora de si’
 
 
Catholic Resources for Bible, do padre Felix Just (Fonte)
 
“A família e os discípulos mais próximos de Jesus são muitas vezes retratados de forma bastante negativa em Marcos; muitos dos seguintes detalhes são omitidos nas histórias paralelas de Mateus e/ou Lucas... sua família quer contê-lo, pensando que ele é louco (3:21)
 
 
Site do padre John McKinnon (Fonte)
 
“Marcos posicionou o incidente em sua sequência atual para fazer um paralelo com a crítica da família a Jesus e a crítica mais perversa feita pelos escribas, mas também foi estrategicamente colocado para prenunciar outro tema que ele logo desenvolveria, a natureza e composição da comunidade de discípulos, já insinuados na escolha dos doze”
 
 
De La Salle Institute (Fonte)
 
“Existem situações em nossas vidas em que nossas famílias não aprovam o que queremos ser no futuro. Quando somos jovens, acreditamos que podemos contribuir com algo para o mundo. Provavelmente, a razão pela qual a família de Jesus pensou que ele estava louco é porque eles falharam em entender Sua verdadeira natureza. Eles achavam que suas decisões eram absurdas e tinham medo do que aconteceria com ele. Jesus provou a eles que era a vontade de Deus que Ele estava fazendo, então é a coisa certa”
 
 
Sacred Space (Fonte)
 
“A intensidade ou paixão com que Jesus viveu e serviu as pessoas chocou sua família e os levou a dizer: ‘Ele enlouqueceu’
 
 
Catholic Daily Readings (Fonte)
 
“Mas esta passagem revela que outros, mesmo alguns que eram seus próprios parentes, pensavam que Ele estava ‘fora de si!’. Muito interessante e muito revelador para nossa própria jornada de fé”
 
 
Paróquia São José, do padre Luan Marques Domingues (Fonte)
 
As dificuldades de Jesus começaram com seus próprios parentes. Eles o consideraram louco e julgavam vergonhoso vê-lo falar e dizer coisas que lhes parecia fora de propósito. A rejeição dos familiares de Jesus funda-se numa série de preconceitos contra ele. Ele era filho de uma família pobre, como poderia apresentar-se com uma sabedoria tão alta? Eles o tinham visto crescer e pensavam conhecê-lo muito bem, como agora estava se dando à prática de milagres, mais parecidos com atos de magia? Sua origem era humilde, como agora estava vindo tanta gente atrás dele, como se fosse uma pessoa importante? Havia algo de errado. Jesus só podia estar louco e era preciso dar um basta naquela situação
 
 
National Catholic Education Commission (Fonte)
 
“É a família de Jesus que ocupa um lugar importante nos versículos que estamos estudando. Na primeira instância (3:20-21) são os ‘parentes’ de Jesus (o texto grego os descreve como ‘os que pertencem a ele’) que aparecem, atraídos pela preocupação de que não apenas Jesus não pudesse comer, mas eles temiam que ele tivesse ‘perdido a cabeça’. Em outras palavras, a própria família de Jesus acreditava que ele estava louco: resta-nos considerar como o que ele estava fazendo e dizendo na Galileia pode tê-los encorajado a formar essa opinião. A família que Marcos menciona são a mãe e os irmãos de Jesus, nenhum dos quais é mencionado”
 
 
A Catholic Moment (Fonte)
 
Alguns de seus parentes e discípulos ficaram chateados e pensaram que Jesus não estava cuidando de si mesmo por causa de seus esforços incansáveis no ministério. Em sua mente, ele era um simples carpinteiro de sua cidade natal, mas Jesus, como Deus, tem uma paixão por seu povo”
 
 
“Catholic.Net”, o primeiro site católico da internet (Fonte)
 
A família procura Jesus. Os parentes chegam à casa onde Jesus estava hospedado. Provavelmente, eles vieram de Nazaré. De lá até Cafarnaum a distância é de cerca de 40 quilômetros. Sua mãe estava com eles. Provavelmente não entraram porque havia muita gente, mas mandaram alguém dizer-lhe: ‘A tua mãe e os teus irmãos estão lá fora e querem ver-te’. Segundo o evangelho de Marcos, os parentes não querem ver Jesus, querem levá-lo de volta para casa (Mc 3:32). Eles pensaram que Jesus havia perdido a cabeça (Mc 3:21)
 
 
Site do padre Lucas de Paula Almeida (Fonte)
 
Mc 3:20-21: Os parentes de Jesus diziam que estava fora de si. Jesus teve problemas com a família. A família, às vezes, ajuda e, outras vezes, atrapalha. Assim foi com Jesus e assim é conosco. (...) Quando os parentes de Jesus souberam disso, disseram: ‘Ficou louco!’. Talvez, porque Jesus tinha saído fora do comportamento normal. Talvez, porque comprometia o nome da família. Seja como for, os parentes decidem levá-lo de volta para Nazaré. Sinal de que o relacionamento de Jesus com a sua família estava estremecido”
 
 
Lectionautas (Fonte)
 
“E esta era uma cena corriqueira, por onde Jesus passava, arrebanhava multidões. E Ele agregava todas estas pessoas que o seguiam, a despeito do incômodo que demonstravam seus parentes e discípulos diante da falta de sossego, da falta de privacidade: ‘E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer’. E os parentes queriam proteger Jesus, achando aquilo um exagero: ‘Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si’ (Mc 3:21)”
 
 
Informação Católica (Fonte)
 
Os parentes de Jesus diziam que ele estava fora de si. (...) As dificuldades de Jesus começaram com seus próprios parentes. Eles o consideraram louco e julgavam vergonhoso vê-lo falar e dizer coisas que lhes parecia fora de propósito”
 
 
Paróquia São Francisco Xavier (Fonte)
 
“Os mestres, voltando de Jerusalém, são explícitos em dizer que ‘seu poder vem de Belzebu e que é em nome dele que realiza os milagres’. Fosse só isto, mas seus problemas iam mais além. Jesus de Nazaré sentia haver falta de apoio daqueles mais próximos. Das pessoas que amava e de quem devia esperar que o ajudassem a cumprir sua missão. Essa era incompreendida pela própria família. Seus parentes desejavam afastá-lo da fidelidade ao caminho do Pai. Sentiam-se incomodados porque Ele fugia totalmente ao padrão familiar. Não assumira a profissão do pai, nem tinha namorada para se casar e gerar filhos. Seguir enfim a vida normal da sua gente, morando ali por perto, em volta dos parentes. Impacientam-se com a situação e resolvem buscá-lo. Deviam sentir vergonha e até o consideram louco. Era preciso agarrá-lo e mesmo interditá-lo, diríamos hoje em dia
 
É engraçado como Dave se gaba de ter citado um “estudioso protestante” que contraria a minha posição, como se isso significasse grande coisa, quando eu citei dúzias de autores católicos que contrariam a posição dele (e teria citado milhares, se tivesse tanto tempo livre quanto ele e mais nada pra fazer na vida). Outro caso interessante que eu encontrei foi a interpretação que Teofilato fez do texto no século XI, mais uma vez corroborando o que qualquer pessoa sóbria e racional encontra no texto: “E até seus amigos quiseram fazer isso, isto é, seus parentes, talvez seus compatriotas ou seus irmãos. Mas era uma tola insanidade deles, conceber que o operador de tão grandes milagres da sabedoria divina havia enlouquecido(Fonte).
 
 
O verso 21 não se refere à família de Jesus?
 
Como um último ato de desespero antes da capitulação, Dave dá moral (embora não a afirme taxativamente) a uma teoria ainda mais delirante, a de que o verso 21 não se refere à família de Jesus (quando diz que vieram para prendê-lo). Ele cita um certo “Comentário Católico de 1953”, que Dave afirma ter “alguns comentários muito bons sobre a passagem”. Vejamos que “comentários bons” são esses:
 
A interpretação usual é que parentes (ou seguidores) de Cristo, perturbados com os relatos, saíram para cuidar dele. Os seguintes pontos devem ser observados. A frase ο παρ ' ατο não significa necessariamente parentes (amigos). Tem um uso mais amplo que incluiria discípulos, seguidores, membros de uma família. Não é certo que as pessoas designadas por esta frase sejam as mesmas que sua mãe e irmãos.
 
O “Comentário Católico de 1953” só se esquece que a própria continuação do texto deixa claro que esses parentes eram mesmo a mãe e os irmãos de Jesus, como se percebe na leitura da perícope completa:
 
Marcos 3
20 Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão, de modo que ele e os seus discípulos não conseguiam nem comer.
21 Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: “Ele está fora de si”.
22 E os mestres da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: “Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios”.
23 Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas: “Como pode Satanás expulsar Satanás?
24 Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir.
25 Se uma casa estiver dividida contra si mesma, também não poderá subsistir.
26 E se Satanás se opuser a si mesmo e estiver dividido, não poderá subsistir; chegou o seu fim.
27 De fato, ninguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali os seus bens, sem que antes o amarre. Só então poderá roubar a casa dele.
28 Eu lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos homens lhes serão perdoados,
29 mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: é culpado de pecado eterno".
30 Jesus falou isso porque eles estavam dizendo: “Ele está com um espírito imundo”.
31 Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo.
32 Havia muita gente assentada ao seu redor; e lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram”.
33 “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”, perguntou ele.
34 Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos!
35 Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
 
No verso 21, os familiares de Jesus haviam saído para apoderar-se dele, no texto que você já está extenuado de ler. O relato continua narrando as palavras de Jesus contra a acusação dos escribas (de que ele tinha demônio), e diz que então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Na mente transtornada de Dave, alguém que não a família de Jesus saiu, mas então eles foram raptados por uma nave extraterrestre que os abduziu no meio do caminho e os trocou pela família de Jesus, que chegou lá de repente sem saber como. E nunca ficaremos sabendo quem eram esses tais que saíram para ver Jesus, já que Marcos teria terminado o relato se esquecendo deles. Isso é Dave Armstrong na sua melhor forma!
 
Some ao contexto o fato de que o grego do verso 21 literalmente diz «os que pertencem a ele» (hoi par’ autou), que virtualmente todos os comentaristas bíblicos que eu consultei são unânimes em dizer que nada mais era que um eufemismo semita típico para se referir à família, como também é comum na Septuaginta (fonte). É por isso que vários manuscritos antigos traduzem por “parentes”, principalmente os de origem siríaca (fonte). O texto não pode ser uma referência aos discípulos, que já estavam na casa com Jesus, muito menos aos escribas, que não “pertenciam a ele”. Só pode ser uma referência à sua família biológica, ou seja, aos mesmos irmãos e mãe que o verso 31 registra.
 
 
A manobra final: A inversão do ônus da prova
 
Depois de provado pelo contexto, pela gramática, pelo grego, pelas traduções bíblicas, pelo virtual consenso acadêmico e pela palavra dos próprios correlegionários católicos de Dave que ele está praticamente sozinho e miseravelmente errado nessa interpretação terrivelmente cômica do verso, ele parte para o último esperneio, aquele ao maior estilo “é tudo o que sobrou” – quase que antevendo que esses seus argumentos seriam frustrados sem muito esforço. Ele diz que, mesmo que eu estivesse certo na minha forma (e de todo mundo) de interpretar o texto, isso ainda não incluiria Maria (porque Maria precisa ser imaculada, ou o dogma romano é falso):
 
Mas isso não inclui Maria, nem pode ser encontrada qualquer passagem que implique diretamente qualquer descrença em Maria sobre seu Filho e Seu status como Deus Encarnado e Messias. Ela sabia disso desde o tempo da Anunciação.
 
O fato de Maria saber desde a anunciação que Jesus seria o filho de Deus não a torna mais imune à incredulidade do que João Batista, que mesmo sendo seu primo (um de verdade) e o reconhecendo abertamente como o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29), ainda assim teve dúvidas se ele era o Messias prometido ou não, pouco antes de morrer decapitado (Mt 11:2-3). Ademais, o texto não fala exatamente de incredulidade, mas de insanidade. Maria poderia não duvidar que Jesus era o Messias prometido, e mesmo assim se preocupar com a sua saúde mental por pensar que suas ações passavam do ponto e precisavam de um freio (como é típico de mães, afinal).
 
De todo modo, o simples fato de um anjo ter anunciado que Jesus era quem ele era não a torna imune à descrença, assim como os discípulos que presenciaram todos os milagres de Jesus, que ouviram a voz dos céus onde o Pai o chamava de Seu filho amado durante o batismo (Mt 3:17) e que o ouviram anunciar que ressuscitaria ao terceiro dia (Lc 18:31-33), e mesmo assim ficaram incrédulos às palavras de Maria Madalena quando lhes disse que ele havia mesmo ressuscitado (Mc 16:11). Isso tudo nos mostra que o fato de alguém acreditar em algum momento não o torna imune à descrença momentânea (ou à incerteza, ou à suspeita de que algo está errado).
 
De qualquer forma, não há indícios de que Maria estivesse entre esses descrentes. É pura especulação baseada em um argumento inexpressivo do silêncio. (...) É uma questão de lógica e exegese. O ônus da prova recai sobre o protestante para tentar provar uma “Maria pecadora”. Lucas falhou em fazê-lo aqui, em seu pensamento anticatólico de má qualidade, epistemologicamente inadequado, blasfemo e calunioso.
 
Dave diz que «não há indícios de que Maria estivesse entre esses descrentes», quando é o próprio evangelista que a situa entre os que achavam que ele havia enlouquecido:
 
“Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: ‘Ele está fora de si’. (...) Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo” (Marcos 3:21, 31)
 
Como vimos, o verso 31 está diretamente conectado ao 21, pois todos os versos entre um e outro são apenas um parêntesis que Marcos abre para falar da resposta de Jesus aos escribas, para então retomar o ponto anterior (da família). Esse tipo de estrutura se chama quiasma e é uma prática recorrente de autores judeus, que vemos presente em toda a Bíblia. Então, o que o verso 31 faz nada mais é que explicar quem eram esses familiares que queriam prendê-lo achando que ele estava louco, e ele cita particularmente «a mãe e os irmãos de Jesus». Impossível ser mais claro.
 
Se Dave acha que a mãe de Jesus é a única exceção no grupo, e que era a única ali que veio com intenções totalmente contrárias às dos demais (e mesmo assim não os impediu de seguir em frente), cabe a Dave provar. É dele o ônus da prova, depois que provamos que Maria é um dos familiares de Jesus que vieram para prendê-lo por insanidade. Note como Dave inverte o ônus da prova aqui, como todo amador em raciocínio lógico, como se fôssemos nós que tivéssemos que provar que Maria não foi uma exceção, e não ele que tivesse que provar que ela era uma exceção.
 
Se alguém testemunhasse que os jogadores da seleção da Argentina celebraram a conquista da Copa, mas alguém dissesse que um jogador específico (o Dybala, por exemplo) não comemorou, caberia a ele mostrar a evidência de que o Dybala foi uma exceção. Caso semelhante vemos na Bíblia, quando somos informados que “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3:23), onde “todos” é “todos”, a não ser que algo no contexto especificamente sugira que há uma exceção à regra. Quem prega a exceção é que tem o ônus da prova, e não quem prega a regra (a não ser que a regra não exista).
 
No caso, Dave não tem prova da exceção, e mesmo assim quer que o texto excetue Maria (como se Paulo precisasse ter mencionado nominalmente cada pessoa que já existiu, do contrário não daria pra saber se ela pecou ou não). Dito em termos simples, se alguém faz uma afirmação geral, a exceção só se aplica se houver evidências que provem que ela é de fato uma exceção. Sem essa evidência, a regra geral se aplica. Isso que é o ônus da prova.
 
Dave sabe que não tem como excetuar Maria baseado no texto em discussão, então precisa inverter o ônus da prova e pedir um texto que explicitamente nomeie Maria cometendo um pecado, algo que não temos para muitos dos personagens bíblicos que Roma acredita serem pecadores, justamente em função dos textos de caráter geral (por exemplo, Daniel, Ester, Neemias e o pai de Jesus). Para estes, Roma aceita os textos de caráter geral, mas, para Maria, os textos de caráter geral magicamente tornam-se insuficientes e inaplicáveis. Isso é o inverso de qualquer coisa que possa ser chamada de exegese.
 
Seria como dizer: “Todos os doze discípulos acreditaram em Jesus e nunca pararam de fazê-lo”. Sabemos que aquele, Judas Iscariotes, acabou não acreditando. Ou “nenhum discípulo jamais duvidou que Jesus ressuscitou depois de ouvir relatos de que Ele ressuscitou”. Novamente, sabemos que Tomé duvidou (João 20), embora tenha durado pouco. Não se pode determinar todos os detalhes das crenças daqueles em um grupo, com declarações abrangentes ou meras especulações.
 
Dave não consegue perceber como os exemplos que ele deu voltam-se contra ele mesmo quando examinamos o que ele pede aqui. A afirmação «todos os doze discípulos acreditaram em Jesus e nunca pararam de fazê-lo» está errada, porque não existe nenhum texto afirmando isso (nem em caráter geral, nem no particular). O mesmo se aplica ao seu segundo postulado. Não há nenhum texto na Bíblia que diga que “todos os discípulos acreditaram que Jesus ressuscitou depois de ouvir os relatos da sua ressurreição”, de modo que encontrar “exceções” aqui é burrice – Dave está literalmente tentando encontrar exceção onde não há uma regra.
 
O que Dave deveria fazer para provar o seu ponto são afirmações gerais (“regras”) que a Bíblia realmente afirma, mas que não se aplicam a todos os casos pormenorizados. Já que ele não consegue pensar em nenhum exemplo que sirva, eu posso até ajudá-lo: Hebreus 9:27, que diz que cabe ao homem morrer “uma só vez”, mas alguns morreram duas vezes (i.e, os que foram ressuscitados em vida). Mas a única razão por que sabemos que eles são exceção à regra é porque a Bíblia registra – ou seja, o ônus da prova recaiu a quem tinha que provar a exceção, e neste caso conseguiu.
 
Dave obviamente não é capaz de fazer o mesmo com Maria em Marcos 3, pois nada no contexto a isenta de ter cometido o pecado mencionado. Mais do que isso, nada em toda a Bíblia a isenta, e ainda pesam outros argumentos contra (como mostrei no artigo que Dave tentou refutar). Ou seja, ele tem o ônus da prova, mas como não tem como provar a exceção, inverte o ônus e o joga pra mim, que tenho a afirmação geral a meu favor (e nada que sirva de evidência da exceção).
 
Se é tão importante assim defender que Maria era impecável, a ponto de eu ser chamado de «blasfemo e calunioso» por sugerir a ideia que o próprio texto transmite, por que o próprio Marcos não fez questão de excetuar Maria no texto em questão, acentuando que ela veio com intenções totalmente diferentes dos irmãos de Jesus? Por que deixar implícito que ela era parte do “problema”, sem sugerir em momento algum, o mais remotamente que fosse, que a acusação dos familiares de Jesus no verso 21 não se aplicava a ela (que foi explicitamente citada no verso 31)? Por que não se esforçar nem um pouco em evitar uma conclusão que flui tão facilmente da leitura natural do texto?
 
Talvez porque Marcos também fosse «anticatólico de má qualidade, epistemologicamente inadequado, blasfemo e calunioso», ou porque não fazia a menor questão de evitar que um dogma tão importante fosse colocado em xeque em decorrência de um texto seu. De um modo ou de outro, está claro que é Dave quem não sabe nada de epistemologia (assim como não sabe nada de gramática, de interpretação de texto, de história, de raciocínio lógico ou de Bíblia). Ele é uma “Versão Fácil de Enganar” em pessoa – embora esteja se tornando “Fácil de se Refutar” também.
 
Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (youtube.com/LucasBanzoli)

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49 comentários:

  1. Paz do Senhor, estou desconfiado que ele vai dar uma desculpa estilo Macabeus -"II Macabeus, 15:38. Se ela está felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo. Se ela está imperfeita e medíocre, é porque não pude fazer melhor." ---- Vai ser estilo: 1ª Dave 171:666 "Se refutei o Lucas (coisa que nunca consegui) é porque sou bom mesmo, mas se não consegui é porque sou medíocre, imperfeito, tapado, lesado e zumbi sem noção.

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  2. Hello Lucas,

    My website is not showing up on search engines like Bing or Yahoo. I was wondering whether you had any knowledge or knew of any people who could help me with my problem. Thank you.

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    1. Hi Jesse, I really don't know how to solve this problem, here in Brazil absolutely nobody uses the Bing or Yahoo search, everyone just uses Google, so this is not a big loss, I think.

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  3. Hadouken.
    Lucas, o que pensa dos ortodoxos? Tenho a sensação de que eles são a fusão perfeita do protestantismo com o catolicismo romano. Seria basicamente um catolicismo romano que deu certo (afinal, o protestantismo também tem lá os seus problemas).

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    1. Não acho que seja uma "fusão", os pontos em que os ortodoxos divergem dos protestantes são pontos em que eles estão simplesmente errados (e geralmente são os mesmos pontos onde os católicos romanos também erram, como a intercessão dos santos, reza aos mortos, salvação por obras e certos dogmas marianos, isso sem falar de uma liturgia quase tão engessada quanto a católica, e que não se parece em nada com a da igreja primitiva). Ao invés de um "catolicismo que deu certo", eu diria que é um "catolicismo menos deteriorado" (que não se "desenvolveu" a ponto de incluir outras heresias ainda piores que surgiram em Roma), mas que ainda assim se distancia bastante daquilo que encontramos no NT.

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    2. Faz sentido. De fato, reza aos mortos e salvação por obras são coisas complicadas de se engolir.

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    3. Falando nisso, eu me lembrei que tenho esse artigo sobre os ortodoxos:

      http://heresiascatolicas.blogspot.com/2015/09/semelhancas-e-diferencas-entre.html

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  4. Lucas, estou pensando em escrever um artigo refutando um debate entre um católico e um protestante sobre o Sola Scriptura (https://www.youtube.com/watch?v=q7spaylI1gk&t=857s). Neste debate, claramente o católico ganhou, mas definitivamente por demérito do irmão protestante. Como é um vídeo bem visitado, seria importante fazer uma refutação específica, porque soou que não temos resposta a esse questionamento, o que definitivamente não é verdade.
    Caso eu faça um artigo, você poderia postar no seu blog? Não precisa sequer dar referência a mim ou algo semelhante; pode postar como se fosse de sua autoria.
    Deus o abençoe.

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    1. Eu jamais postaria um artigo que não é meu sem dar os créditos ao autor (mesmo porque isso é um crime, é prática de plágio), mas ficaria feliz em postar seu artigo aqui no site com os devidos créditos, agregaria muito. Eu só vou avisando que eu sou um pouco chato com artigos de terceiros porque eu não gosto de que no meu site tenha algum conteúdo que destoe das minhas visões (até porque seria muito estranho que um leitor visse no meu site a defesa de um ponto de vista que eu discordo, eu poderia estar induzindo-o ao erro), por isso eu nunca posto conteúdo de terceiros, mas se você quiser eu posso analisar o seu artigo e no caso de ter alguma coisa que eu acredite ser um equívoco eu dou um toque pra editar aquela parte específica, caso você assim concorde é claro.

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    2. Fechado. Eu realmente não me importo de não ser identificado, só dei essa ideia pra caso você tivesse algum problema em "oferecer propaganda a terceiros gratuitamente", seja lá como se define isso. Meu objetivo é a defesa da suficiência das Escrituras, nada mais.
      Vou separar um(ns) dia(s) para escrever o artigo, e te encaminho por e-mail. Qualquer eventual alteração, pode ficar tranquilo que suas opiniões e correções serão extremamente bem-vindas. Certamente você tem muito mais domínio no tema do que eu.

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    3. Não tenho nenhum problema em fazer propaganda de terceiros, pelo contrário, quando o conteúdo é bom eu tenho prazer em compartilhar (aqui no site mesmo tem um menu à direita com uma lista de sites recomendados), só é um problema quando é um site herético, eu evito publicar comentários com links por causa disso (e por outras razões). Pode me enviar o artigo por esse email: lucas_banzoli@yahoo.com.br, eu vou estar fora nos próximos dias mas retorno na terça (não sei se você já vai ter terminado até lá, mas tome o tempo que for necessário).

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  5. Boa noite. Lucas, tem umas profecias na Bíblia que parecem ter duplo cumprimento, ou que se cumprem aparentemente duas vezes. O caso da abominação citado em Daniel, Jesus citou como algo que viria a acontecer mas muitos estudiosos concordam também que a abominação foi na época de Antioco, quando colocaram uma estátua de Zeus no templo e sacrificaram um porco ali, essas coisas... pergunto isso por causa de Malaquias 4. Aparentemente se fala de João ali vindo na virtude de Elias antes do dia do Senhor mas o dia que se refere ali pra mim faz mais sentido como o Juízo Final e nao a vinda de Jesus. Esse capítulo de Malaquias se refere a algo que ainda vai acontecer? Qual o papel da Lei de Moisés então, citado no versículo lá?

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    1. Eu também penso assim, vejo Malaquias 4 como uma profecia de dupla referência (que parcialmente se cumpriu na figura tipológica de João Batista, mas que se cumprirá literalmente na pessoa de Elias, que é uma das duas testemunhas do Apocalipse, como todo o contexto aponta com muitos detalhes), algo bem similar à profecia que você citou (que se cumpre tipologicamente em Antíoco e de forma literal com o anticristo). Essa é a única coisa que explica por que Jesus disse que "Elias já veio", ao mesmo tempo em que diz que "Elias virá" (Mt 17:11). Eu argumento extensivamente sobre isso no meu livro "A Lenda da Imortalidade da Alma", da página 1020 à página 1023 da versão em pdf (que você pode baixar na página dos livros, link abaixo).

      http://www.lucasbanzoli.com/2017/04/0.html

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    2. As profecias são tão sui generis e tão profundas que é como se desdobrassem o tecido da realidade e do tempo: ocorre uma vez por meio da própria visão profética, outra pelo antítipo e, ao final, pelo tipo, que seria seu cumprimento máximo.
      Os próprios judeus creem em determinadas profecias sendo interpretadas dessa forma.

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  6. Vas a tener que pasar varios años en el purgatorio por cometer semejante pecado de meterte a debatir con semejante neófito. Diosito y la virgen no miran correcto que un Titan se meta a pelear con un niñito de 7 años. ¡Ruega a Dios que no te manden al infierno! (Todo esto es sarcástico)

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  7. Ótimo artigo, você já deu uma olhada numa refutação do Armstrong de seu artigo sobre Lutero e os camponeses?

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    1. Ainda não, só dá pra refutar um por vez, mas quando puder eu vejo.

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  8. Eu não moro mais no Nordeste, mas sou pernambucana, aí naquelas novenas que rolavam na minha cidade, sempre dava para ouvir de longe o padre gritando: Viva Maria, Viva Nossa Senhora da Conceição, Viva os mais de 20 mil santos e no final Viva Jesus. Os caras nem disfarçam, a cegueira espiritual é surreal. O Youtube está insuportável não posso assistir um vídeo mais sem aparecer propaganda do curso do Padre Paulo Ricardo.

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    1. Pois é, os caras nem disfarçam, é como eu sempre digo: Jesus no catolicismo é totalmente "escanteado", colocado de lado, em segundo plano, tendo que dividir a atenção com outros duzentos mil "santos", e o pior: o coitado não é nem mesmo o mais importante desses milhares aí. O foco é desviado totalmente do Criador para a criatura, exatamente como Paulo definiu em Romanos 1:22-25.

      PS: o youtube também está empenhadíssimo em me converter ao catolicismo, mas não através dos cursos do Gargamel e sim dos cursos de um católico aleatório aí que eu nem sei o nome (da próxima vez que aparecer eu clico só pra saber haha), daqueles que tem cara de não saber nada e aí quando você vê o que ele diz descobre que não sabe mesmo...

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  9. Our culture is disgusting:

    https://fism.tv/chaos-in-queens-after-aoc-promotes-far-left-counter-protest-at-drag-queen-story-hour/

    Do you folks in Brazil have these problems?

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    1. There are those things here too, maybe not as much as in America, but it is something that is visibly growing.

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    2. Impressive how American culture is degenerating after American Protestant culture began lost its influence to Secularism. The only way of America become great again is restoring its Protestant heritage. It's a really sad reality.

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  10. Ontem, fui ao casamento da minha Tia na Igreja assembleia de Deus e foi bem estranho pra mim ver o Pastor falando umas paradas estranhas e uma mulher falando em Línguas e depois começou a falar como se estivesse possuída, depois desmaiava do nada e se levantava e começava tudo de novo. Você acha que isso Lucas?

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    1. O Espírito Santo não se manifesta desse jeito ("apagando" as pessoas), Paulo disse que "os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas" (1Co 14:32), ou seja, o "profeta" continua no controle de si o tempo todo, ele não perde a consciência e continua tendo a capacidade de abortar o processo caso queira, justamente porque Deus é um cavalheiro e não um manipulador. Já o diabo é o contrário, quando alguém está endemoniado pode ver que ele perde o controle e depois que o demônio é expulso ele nem sabe o que aconteceu, porque perdeu totalmente o controle de si. Então, se o que você descreveu foi assim mesmo, é mais provável que tenha sido obra demoníaca do que ação do Espírito Santo (me refiro a este caso específico, já que eu também creio em línguas estranhas e outras coisas pentecostais que podem acontecer por ação do Espírito).

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  11. Boa noite Lucas, desculpe por ter estado afastado do blog e do canal por tanto tempo, o principal motivo desse afastamento foram os compromissos com a faculdade e as atividades extracurriculares (sem contar que ano passado as aulas presenciais finalmente voltaram após 2 anos fechada, portanto estive numa transição do EAD para o presencial, além disso minhas principais atividades extracurriculares foram assistir audiências no fórum e assistir palestras, além disso também escrevi uma monografia e um artigo científico que vou mandar publicar no próximo semestre) e por conta disso tive que ficar fora do blog por um tempo.

    Entretanto como agora finalmente estou de férias posso voltar a acompanhar o seu blog (ainda que temporariamente porque em fevereiro volta tudo de novo), e pelo que vi assim quando voltei, vi que um apologista católico gringo está tretando contigo, e olha, isso é um bom sinal! Significa que você está ganhando relevância internacional e credibilidade no meio teológico (desejo a você todo o sucesso do mundo).

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    1. Vlw Elion, sucesso aí no curso, logo logo essa correria acaba e você está se formando (e quem sabe vira ministro do STF um dia hehe)

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    2. Quem sabe um dia talvez eu não sente na vaga/cadeira do Ministro Xandão quando ele se aposentar... 🤭

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    3. Só não vá ser um ditador que nem ele 🤣

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  12. Pela nota introdutória, dá pra ver que não importa o país, os apologistas católicos serão sempre o mesmo: arrogantes idiotas que não suportam argumentos que vão contra suas convicções patéticas.

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  13. Lucas, eu não sei como me comunicar com você, então o farei por aqui, me deparei com esse vídeo aqui de um tal Marcelo Andrade, que é um fedeliano, provavelmente tridentino, que faz afirmações históricas no mínimo fora de contexto, no último vídeo de aula que ele postou de graça no Youtube ele afirma de forma categórica que a eugenia é própria do protestantismo, inclusive ele cita a Alemanha como país protestante, o que eu sei que não é verdade, acho que é válido ficar de olho nesse cidadão, já que ele está ganhando proeminência por usar o cenário político para cooptar seguidores.

    https://www.youtube.com/watch?v=PNsUO625Joo

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    1. Não conheço esse Marcelo Andrade (joguei o nome dele no youtube e vi que o rosto dele não me é estranho, mas não me lembro do que vi ou quando vi), de todo modo esses fedelianos são todos iguais, eles não são levados muito a sério nem no meio católico (exceto nos círculos mais tridentinos). A eugenia é algo global: existiu na Europa (católica e protestante), na China (que não é nenhum dos dois), em tribos indígenas desde antes do homem branco pisar os pés na América, e até no Brasil tinha os seus entusiastas (existia até a Comissão Central Brasileira de Eugenia, criada na década de 30). Mas é aquele mesmo discursinho fajuto que eles fazem com "o protestantismo criou o ateísmo", "o protestantismo criou o comunismo", "o protestantismo criou o casamento gay" e outras barbaridades que só enganam quem já está com os pés totalmente atolados no lamaçal de calúnias sem fim que eles lançam contra nós desde sempre, sem um mínimo de consistência ou um pingo de bom senso. Eu duvido que eles mesmos acreditem nessas coisas seriamente, mas como é útil reproduzir o discurso para ludibriar as mentes mais fracas, eles fazem com prazer.

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    2. Pior que eu cheguei a levar ele à sério em algum momento. Acredito que se aproveite uma ou outra coisa, mas o quadro geral é alarmante. No novo corte que ele lançou dessa palestra que eu postei o link ele afirma que a culpa da desgraça na África foi a descolonização, até aí tudo bem, opinião dele, porém ele do nada diz que o problema da descolonização foi trocar a cultura católica de países europeus como França e Itália pelo protestantismo americano. Ou seja tudo ele resume em protestantismo x catolicismo, sendo que ele ignora nesse momento que a França católica é cheia de mazelas.

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    3. Pois é, como se os países africanos colonizados por países católicos (Congo, Costa do Marfim, Guiné Equatorial, etc) estivessem em melhor condição do que aqueles colonizados por países protestantes (África do Sul, Nigéria, Egito, etc), quando na verdade é justamente o contrário. Os países africanos com mais predominância protestante são os mais prósperos do continente, e os mais católicos são os mais miseráveis (o mesmo quadro histórico que se observa na Europa e na América, guardadas as devidas proporções).

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    4. Nesse caso tenho que discordar de você, porque eu não acredito que se possa traçar uma linha generalista de que um país colonizado x é melhor que o y apenas levando em conta a questão religiosa, teria que apontar n outros fatores. Eu não gosto muito desse reducionismo, pois ignora inclusive o movimento Geopolítico complexo dos atores envolvidos, por exemplo se ignora que o Portugal Católico era mais próximo geopoliticamente da Inglaterra anglicana, ou até mesmo que a Roma católica tenha se aliado com a Alemanha "luterana", na segunda guerra. Sem contar questões mais complexas como a própria existência de grupos de interesse totalmente avessos à questão puramente religiosa ou até mesmo anti-religiosos. É óbvio que grande parte do trabalho de colonização fosse feito por missionários, mas mesmo levando isso em conta é necessário lembrar que alguém confessar uma religião não necessariamente o torna um proponente daquela religião ou que seus interesses convergem com os do grupo religioso em questão.

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    5. Eu não disse que "apenas a questão religiosa" tem que ser levada em conta, mas especialmente em se tratando dos séculos passados, este era de longe o fator principal e mais preponderante, porque a própria política econômica desses países se alinhava com a ideologia religiosa predominante (como Weber demonstrou em seu ensaio sobre "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo"). Você diz que "o Portugal Católico era mais próximo geopoliticamente da Inglaterra anglicana", o que é verdade em se tratando de acordos comerciais ou alianças políticas, mas economicamente falando as duas nações não podiam ser mais antagônicas, com Portugal totalmente alinhado ao espírito anticapitalista predominante nos outros países católicos e a Inglaterra ao capitalismo predominante nos outros países protestantes. Eu não vou me alongar sobre isso aqui porque já tenho um livro inteiro só sobre o assunto (o segundo volume dos "500 Anos de Reforma", que trata justamente da relação do protestantismo com o capitalismo e o liberalismo econômico), é só baixar na página dos livros e ler.

      http://www.lucasbanzoli.com/2017/04/0.html

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  14. Ótimo texto, Lucas!

    Dave é fraco e só é idolatrado por católicos porque diz o que eles querem ouvir - como todo "bom" falso profeta e falso mestre.

    Uma correção no seu texto: Ao invés de "A parte que diz “disseram” é um argumento para justificar o “saíram para o pregar”", eu creio que você quis dizer "A parte que diz “disseram” é um argumento para justificar o “saíram para o PEGAR”"

    Deus abençoe e continue com o ótimo trabalho

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    1. Eu acho que eles confundem "escrever muito" com "escrever bem". Dave se orgulha de seus 4.000 artigos contra o protestantismo, mas quando analisamos a consistência desses artigos, vemos que é na verdade 4.000 boas razões para se manter protestante.

      PS: obrigado por apontar o equívoco, já corrigi no artigo. Deus lhe abençoe igualmente!

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  15. Este comentário foi removido pelo autor.

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  16. Lucas, recebi scan livrinho ( sobre profecia) colega estou relutante acreditar porque igreja considerada seita por alguns teólogos
    https://drive.google.com/file/d/15PG5LYzhe4mh5s3d_BCrEdn1e7eLU8nZ/view
    O que irmão acha?

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    1. Mas você não é obrigado a concordar com tudo o que o livrinho diz (nem com este, nem com qualquer outro). Você pode (e deve) fazer como Paulo indicou: "Examinai tudo e retém o que é bom" (1Ts 5:21). Um dos maiores perigos que existem é quando lemos algo de um autor do qual admiramos, e acabamos pescando uma ou outra coisa errada que ele diz. Muito mais gente acaba se perdendo assim do que lendo coisas que já consideram "sectárias", porque com estas as pessoas leem com um pé atrás (senso crítico), e com as outras não (leem acriticamente, e acabam engolindo tudo que é tipo de heresia).

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  17. Avalie: https://askdrbrown.org/article/was-martin-luther-an-anti-semite

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    1. Já faz muito tempo que eu não comento links aqui no site (inclusive uma das regras de comentários é que "comentários apenas com links não serão publicados", porque esse tipo de comentário geralmente toma muito tempo pra ler ou assistir tudo e ainda comentar em cima), mas sobre o tema em questão, eu tenho um artigo justamente sobre isso, este aqui:

      http://www.lucasbanzoli.com/2018/07/lutero-era-antissemita-e-o.html

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  18. Olá, Lucas. Tudo na paz do Senhor? Meu querido, parabéns pelo trabalho. Já li vários livros seus e gosto muito dos seus artigos.

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